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oral b

Coleciono desastres. É sério. Eu sou um desastre pra um montão de coisas: dançar junto, fazer pudim, empinar pipa, acender lareira e fazer surpresa. Eu entrego a surpresa antes do tempo. Não sei conter a minha expectativa, apresso os resultados. Dizem que o apressado come cru, pois eu sou tão apressada que sirvo cru pro outro comer. Não sei comprar presente antes e esperar pra dar. Preciso esconder o pacote. Esconder de mim, claro. Dou bandeira. Pergunto se prefere verde ou azul, sendo que eu já comprei verde mesmo. Fico medindo a pessoa pra ver se vai servir. Não sei brincar de quente e frio, já vou apontando logo: aqui é a Sibéria, pra lá é o Caribe. Há anos minha irmã organizava as festas surpresa de aniversário pra mim. Cabia a mim exercitar a paciência, enrolando as horas pra chegar em casa a tempo de fingir que não sabia de nada, vendo os balões e o bolo. Hoje ela organiza a própria festa e eu a surpreendo invadindo. A data dos nossos aniversários tem diferença de uma seman
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não resolvido

Eu disse que não vou. Instantes depois, já estou voltando. Pratico boicotes contra as minhas resoluções, pratico auto-desobediência. Tentei elaborar uma série de promessas de ano novo. Tudo que eu consegui foi encontrar motivos pra não cumprir nenhuma. E antes da meia-noite. Antes do brinde que acompanha desejos ao pé do ouvido entre abraços fraternos. As estrelas não testemunharam porque a noite era nublada. Tentei pendurar no nada as minhas decisões e o nada, com a umidade da noite, borrou a letra imaginária da minha lista inexistente. Sou do tipo das inresoluções. Em vez de resolver errar menos. Resolvo escolher o erro. Errar bem feito. Mas não vou fazer. Sou desgovernada o suficiente para atropelar até mesmo a escolha dos meus equívocos. Então, que eu possa ao menos reconhecê-los. Que me sirvam de lição. Um dos meus maiores problemas é que sempre fiz o tema de casa. Podia até ser relapsa no comportamento. Tema de casa, independente da quantidade, estava sempre feito. Sigo

quase poema de primeira pessoa

Olhos alagados em que o brilho mergulha sempre, imerso, tão dentro que é difícil saber o porquê de morar lá. Apenas mora. Fez da pálpebra cabana do riso, brilho branco, noite e dia, hora espalha na íris, hora derrama na retina. Entre ondas de vento que saem dos cílios e suspiros, peito cheio. As malas do coração estão sempre prontas, não para mudar de casa, mas para voltar pra onde quer que seja. Um peito aberto não é um peito vazio. Passam pela nuca fios, sensos, metal, dedos, tateando com as pontas teclados que não existem mas fazem música até encontrarem as costelas justas na pele. Costuradas ali sem folga, uma a uma desenhando a sombra que as velas fazem dançar na parede. A barriga abriga trilhas, segredos, borboletas, umbigo, monstros e castelos com dragões. Desses que incomodam, acordam cedo, fazem fumaça de cetim em lençol de nevoeiro no inverno. E sentem cócegas. Esses bichos que não se pode precisar sequer a cor. Dragões são desiguais aos pares. Não encontram posição no

tem uns "nós" na minha história

Sempre fui boa aluna em história – e isso não é uma ironia. História geral, história do Brasil, história da arte, do Direito, da Filosofia, adorava, tirava boas notas. Eu tive professores queridos. Em casa meus pais eram livros de história. Aprendi tudo sobre feudalismo na mesa do jantar com o meu pai. Decorei os atos institucionais com a minha mãe, ouvindo Chico Buarque nos finais de tarde de domingo (um dia ainda descubro por que professores de história amam marcar provas nas segundas-feiras). Aprendi nas aulas as revoluções e aprendi com as revoluções as linhas do tempo, aprendi com as linhas do tempo que eu não gosto de linhas do tempo. Achava uma retilínea chatice. Primeiro que a tal reta nunca cabia direitinho no meu caderno. Segundo que anotar tudo tudinho em linha do tempo é um saco saquinho. Daí eu fazia setas, balões coloridos, legendas impossíveis de entender, puxava pra lá, pra cá em verde, azul, rosa e a linha do tempo era quase uma previsão do tempo, daquelas que

biscoitices

Dessas tantas ruas por onde passo, de todos os caminhos que não decoro, por tudo onde já me perdi, afirmo com certeza que nenhum rumo é plano ou reto. Há sempre uma curva, um degrau, uma pedra, um muro, uma árvore. Eu sou uma desinventora. E o que eu desinvento a mim pertence. O que não pertence, eu furto, ou roubo armada de flores, risada e cara de doida. O que é viver se não é praticar a insana alegria de mais um dia. Rotina não cansa. Desmonto as horas em minutos e na hora de montar novamente sempre sobra um tempo que vira saudade, que vira bobagem, que vira suspiro, que vira só tempo perdido mesmo. O que me aborrece é pensar que quase preciso pedir desculpa pela minha felicidade, como se a tristeza fosse servida junto com as refeições. Não tenho lentes cor de rosa para o mundo, nem sei brincar de contente, mas com tudo que já vem fora de encaixe, não preciso procurar o que mais pode ser alvo do meu descontentamento. Todos temos cicatrizes. Só procuro levar tudo de forma que e

eu sou grande

Andar descalça na grama, sentar na calçada para contar as estrelas, cheirar a caixa nova de lápis de cor, essas são lembranças da minha infância que ainda pratico. Não posso dizer que as resgato porque nunca deixei de fazer. Fazia naquela época que o meu pai cortava a minha franja torta antes do banho. E precisava aquecer no bafo a tesourinha de cortar as unhas. Hoje dou conta da minha própria franja e de todas as minhas unhas. Crescemos nos detalhes. Mais do que aprender a dirigir, trabalhar, cuidar da casa, do dinheiro, do filho e da família, crescer é não abandonar a infância. Não se faz um muro entre as idades. Eu ainda brinco de adivinhar a cor do próximo carro nas viagens chatas. Ainda sento no chão e como com as mãos, faço farelo. Ainda imito peixe nos espelhos e vitrines das ruas, corro dentro de casa para buscar as coisas e caminho de costas para testar se esbarro em algum móvel. Sempre esbarro. A diferença é que antes as quinas miravam a minha cabeça, hoje as vítimas são as

atestado de óbito

Vocês podem achar que eu ando escrevendo muito sobre fins nos últimos tempos. Justifico: tenho pensado muito sobre eles. Observado mais ainda! Escutei histórias, fui informada de fatos, juntei pecinhas. Acabei seduzida por finais. São muito interessantes. Se amar é verbo imprevisível, terminar é verbo definitivo. Isso de vai, volta, volta, vai, não vale. Estou atenta aos finais, à morte do amor, ao momento onde o “tudo aquilo”some. Amor pode evaporar, sabia? Amor não precisa esfriar pra acabar, pode ter fim no auge. E tem mais – agora vou me confessar – ando estudando os fins porque estou bem ruim de começos. Isto é assunto para depois. Não quero desviar o foco do fim. Quero muito falar sobre os pontos finais. Quero saber por que acaba! Eu sei que tem um zilhão de porquês, que variam de vivente para vivente. Eu sei de uma porção de coisas sobre fim de amor. Mas, olhem só, há pouco tempo três histórias de óbito sentimental chegaram ao meu conhecimento. Contarei porque sou líng